Dentro das tradições espirituais muito se fala sobre iluminação ou, usando um termo do yoga, Moksha, a liberdade. No entanto existe uma confusão aparente na compreensão desse termo, pois acredita-se que a iluminação é um estado que deva ser alcançado e, por consequência, é algo que deve ser diferente daquilo que eu experimento rotineiramente. No entanto, a iluminação é tão somente o reconhecimento de nossa real natureza enquanto plena e ilimitada, ou seja, reconhecer que em essência nada nos falta.
A partir da ótica da Não-Dualidade, todo o universo é uma manifestação da Consciência (pura energia em estado de potencialidade) que de densifica desde o mais sutil até o mais denso dando origem a todas as coisas. Dessa forma, o ser humano (que é fruto dessa Consciência) experimenta o mundo através dos filtros de seus cinco sentidos, o que naturalmente lhe impõe uma limitação: ele só consegue experimentar aquilo que seus sentidos podem captar.
Essa limitação sensorial faz com que a gente olhe para o mundo e nos enxerguemos separados dele, não percebendo a conexão profunda entre todas as coisas. Desse erro de compreensão, nasce a sensação de incompletude, e se eu acho que sou incompleto, preciso buscar aquilo que me completa em outro lugar para finalmente ser feliz. Essa é a fonte de todos os desejos, procurar aquilo que irá me trazer felicidade: um carro novo, uma casa na praia, uma viagem, mais dinheiro, o celular do momento, a comida mais exótica.
Mas não é preciso ser monge ou guru para deduzir o óbvio. Qualquer desejo quando satisfeito traz uma sensação de bem-estar e euforia, porém apenas momentânea, e tão logo já estamos dirigindo nossos esforços para conquistar o próximo desejo da lista, num ciclo infinito de busca de uma suposta felicidade.
Aqui entram as implicações práticas desse pensamento. A lógica capitalista é inteiramente pautada nessa sensação de incompletude do ser humano, e dessa forma nos incentiva a querer acumular cada vez mais coisas, a sermos cada vez mais ricos, termos cada vez mais propriedades. E nesse sentido, a inevitável desigualdade social é fator fundamental para o funcionamento das engrenagens na qual a riqueza de alguns significa a miséria de multidões.
A história moderna nos mostra como o processo de colonização europeu devastou países extremamente férteis, abundantes e extensos em território, explorando ao limite seus recursos naturais, exaurindo sua mão de obra, saqueando suas riquezas, destruindo a cultura e a identidade de diversos povos e exterminando grandes contingentes populacionais. Isso não foi diferente durante o processo de expansão imperialista norte americano. O resultado é uma Europa e Estados Unidos, que se intitulam como países desenvolvidos, sendo grandes potências econômicas e tecnologias e uma “periferia” explorada agravada por intensas crises sociais como as que vemos na América Latina.
E esse modelo capitalista se repete nas estruturas sociais de todos os países que o utilizam. Para sustentar a riqueza de poucos, a desigualdade e a miséria surgem como um subproduto inevitável. Em uma terra que tem plena capacidade de alimentar toda a população, ainda temos que lidar com o fato de existirem crianças morrendo por inanição, de haver pessoas na rua revirando lixo para comer.
Como falar em liberdade sem considerar que o simples fato de não enxergarmos nossa conexão com todas as coisas (o fato de nos acharmos separados), nos conduziu a um sistema econômico que é o grande responsável por nossa miséria existencial?
Para mim o yoga é um resgate ao essencial. Um resgate a compreensão de que não é fora que vamos encontrar felicidade, pois ela já nos é intrínseca. Os conflitos e mazelas da sociedade nos deixam ansiosos, preocupados, com medo e todos esses sentimentos são como nuvens que encobrem o sol, impedindo-nos de ver sua luz, apesar de ela estar sempre lá. Por isso a liberdade (moksha) não pode ser individual. Como posso ser livre às custas da prisão de outras pessoas?
Esse texto é um convite a enxergamos o papel de luta social no contexto do yoga.
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