Na tradição clássica do Hatha Yoga, é comum iniciarmos as práticas entoando mantras, que são versos metrificados encontrado na literatura antiquíssima do hinduísmo: os Vedas, Ṛg, Sama, Yajur e Athārva. Os mantras representam a própria tradição, uma espécie de tradução da inteligência criativa que rege o universo.
Tais mantras irão servir como uma espécie de moldura para a prática, demarcando seu inicio e seu fim. Dessa forma, o praticante, ao estender seu tapetinho, começa a se preparar para a prática cultivando um estado de introspecção e uma mente meditativa. O mantra inicial servirá como um suporte para que o praticante estabilize sua mente e relembre o real significado da prática que é Mokṣa, a liberdade (dos condicionamentos e da ignorância).
Um Śāntiḥ Pāṭhaḥ (Mantra da Paz) bastante utilizado para esse propósito é o Asato Ma Sadgamaya:
Oṁ asato mā sadgamaya |
tamaso mā jyotirgamaya |
mṛtyor mā amṛtaṁ gamaya ||
Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ ||
Que o ilimitado me conduza
Da ignorância para a verdade
Das trevas para a luz
Da morte para a imortalidade
Que haja Paz, Paz, Paz
Compreendendo o mantra:
Analisando a estrutura do mantra, vemos que nos três primeiros ślokas (versos metrificados), existe a palavra “mā” no meio do verso, e ele termina com a palavra “gamaya”. Gamaya vem da raiz Gam que é o verbo ir. Na forma como está conjugado nesse mantra, a forma causal (causar ir), iremos traduzir gamaya como canduzir. Mas conduzir o quem?
Mā nesses versos é o pronome, aquele que aponta para a auto referência, para si mesmo. Ou seja, em todos os versos há um pedido para que o Ilimitado me conduza de algum estado para um outro estado.
No primeiro ślokas, asato mā sadgamaya, vemos a palavra Sat (e sua outra variante “sad”) que significa verdade/verdadeiro/ real. O “a” que aparece da frente de sat, é uma partícula de negação, dessa maneira “Asat” é aquilo que não é verdade, podendo ser traduzido como ignorância. Portanto nesse verso, o pedido é de que o Ilimitado nos conduza da ignorância para a verdade.
No segundo ślokas, tamaso mā jyotirgamaya, Tamaso significa as trevas e Jyotir à luz. É muito comum em várias tradições fazerem a alusão entre trevas como sendo a ignorância, onde tudo está encoberto e não se pode ver, e a luz como sendo símbolo do conhecimento, da clareza. Dessa forma, nesse verso o pedido é para que sejamos conduzidos das trevas para a luz.
No terceiro ślokas, mṛtyor mā amṛtaṁ gamaya, mṛt significa a morte e amṛt, da mesma forma como asat, é a negação, ou seja, a não morte, traduzida como imortalidade. Aqui, não se fala da morte em um sentido literal dirigida ao corpo físico. Não é um pedido para que vivamos eternamente encarnados no plano físico. A morte aqui representa a limitação da pessoa em se identificar com o corpo que é finito. Então, nesse verso pede-se que o ilimitado nos conduza da morte (ou seja, da identificação com o corpo, da consciência limitada) e nos conduza à imortalidade (o reconhecimento de nossa real natureza plena e eterna)
O mantra ainda termina com o pedido de paz Oṁ śāntiḥ śāntiḥ śāntiḥ. Cada um desses śāntiḥ está relacionado com um aspecto:
Primeiro: Adhidaivika Aśāntiḥ - Vem de Deva (deuses) que aqui representa as forças invisíveis da natureza. Para pacificar o sofrimento (Aśāntiḥ) que possa ser causado pelas forças da natureza (desastres naturais, terremotos, tempestades, etc)
Segundo: Adhibhautika Aśāntiḥ - Vem de bhuta, elemento, que aqui representa os seres vivos. Para pacifica o sofrimento que outras pessoas possam me causar.
Terceiro: Ādhyātmika Aśāntiḥ - Vem de ātma, fazendo alusão a si próprio. Para pacificar o sofrimento que eu possa me causar (pensamentos negativos, hábitos destrutivos, etc)
A compreensão do propósito e do significado dos mantras na tradição yogue, nos possibilita mergulhar mais fundo na sutileza da prática trazendo mais clareza para nosso Sadhana.
Hariḥ Oṁ